MNAS #25: Em busca do encantamento
"A gente não olha o mundo da mesma forma, mas o mundo nos trata igual".
As reportagens do #MulherNoAgroSim são sinestésicas - pelo menos é o que esperamos - porque descrevemos em texto tudo o que acontece naquela uma hora de entrevista por videochamada com as mulheres que nos inspiram.
Por isso, leitora, vou pedir mais uma dose da sua sinestesia para imaginar o momento pós entrevista: eu e Giselly nos despedimos da entrevistada. Criamos um novo link só para nós duas e é como se tivéssemos acabado de pisar na Disney! Duas meninas-mulheres encantadas com tudo, com a vida e com toda a sabedoria da mulher que entrevistamos.
Às vezes choramos, muitas vezes rimos e em todas as entrevistas sentimos que estamos prontas para matar os leões do dia, já que estamos inspiradas pelas dores e delícias que foram compartilhadas conosco.
A partir disso é que se inicia o cuidadoso processo de construção da reportagem. Por que estou contando tudo isso? Num dia desses de reunião presencial, notamos que nunca contamos de como é costurar os textos do #MulherNoAgroSim. Então decidimos ligar o gravador e, enquanto tomávamos café, eu publicando um texto no Substack e a Gi desenhando um projeto, nós batemos um papo gostoso demais para não ser registrado.
O começo do começo
O #MulherNoAgroSim é muita coisa antes de ser uma série de histórias. Ele começou em 2021 quando a Gi acompanhou todo o ciclo do amendoim no sítio do avô e não via a hora de ver a colheita acontecendo - perguntava todos os dias para seu pai para não perder esse momento tão importante - até que, um dia, na mesa de jantar, o pai disse que colheu amendoim naquela tarde e que levou o vizinho da Gi, um menino, para ver a colheita. A Gi não foi avisada.
O que uma artista com raiva faz? Ela cria! A Gi transformou a frustração em um logo e em uma história e publicou no Instagram. O post repercutiu muito e dezenas de mulheres compartilharam da mesma falta de reconhecimento enquanto mulher do agro. Daí surgiu uma coleção e um movimento para bater o pé e dizer que vai ter #MulherNoAgroSim e ponto.
Corta para 2024: depois de uma pausa para fazer intercâmbio, a Gi voltou decidida a dar um novo passo com a IlustraAgro. Nesse momento entrou eu, a jornalista da IA; o Gustavo, vulgo Panda, nosso gestor de tráfego e a Larissa, apoio da Gi no Ateliê.
Enquanto desenhávamos o futuro da IA, a Gi descobriu o Substack: “um blog meio Tumblr (eu era uma Tumblr Girl) para textos longos. Comecei a escrever alguns pensamentos e novidades por lá. Até que decidi contar a história de mais mulheres, porque estava cansada de falar só sobre a minha história”, lembra.
Estruturamos a reportagem como você a conhece hoje e começamos a postar a cada 15 dias, timidamente. A primeira foi a Bruna Beteli, amiga da Gi que, dias antes, tinha publicado um desabafo no Instagram sobre não ser o herdeiro que todos esperam. Depois veio a Marisa Rodrigues e a Mara Cristina Pessoa da Cruz, duas mulheres essenciais para a formação da Gi como agrônoma e artista.
Depois veio a Johanna Döbereiner, essa mulher histórica e única citada na faculdade de Agronomia. Aí veio uma pausa, “porque a vida estava acontecendo, e no fim do ano a vida da IlustraAgro fica uma loucura porque temos muitas vendas no site e projetos com empresas”.
Dororidade
Ao sobrevivermos ao fim do ano lançamos o desafio: uma #MulherNoAgroSim por semana. Às vezes é uma loucura, sim, porque entrevistamos mais de uma personagem por semana. Mas nossa! É tão bom que, se a gente pudesse, faria isso toda hora e todo dia.
“A gente faz isso para acolher mulheres, mas percebemos como somos acolhidas também, porque embora cada história seja única, compartilhamos muitas coisas. A gente não olha o mundo da mesma forma, mas o mundo nos trata igual". Tem até uma palavra para isso: a dororidade. Quem cunhou esse termo foi a escritora Vilma Piedade que entendeu que a sororidade entre as mulheres acontece, principalmente, por nos conectarmos com a dor umas das outras.
Sentimos dororidade, por exemplo, quando contamos a história da Janaki Ammal e da Maria Eulália da Costa, que em breve será publicado por aqui. As duas foram essenciais para a agricultura e para a história da mulher no agro, mas existem pouquíssimos registros na internet sobre elas. Sobre seus trabalhos, menos ainda. É como se fizessem isso propositalmente. Nos apagar.
“O #MulherNoAgroSim tem um papel muito importante de registrar as histórias das mulheres para que nunca elas sejam apagadas intencionalmente por homens”, reforça a Gi.
É por isso que a Gi sonha - e eu sonho junto - de as histórias do #MulherNoAgroSim virarem um livro infantil.
“A internet é efêmera. Não sei se é por eu ser artista ou por ser criada por um vó que tinha tudo registrado em papel, eu quero colocar essas histórias em papel. Metade dessas histórias eu tenho em papel (eu fiquei chocada com essa revelação), porque tenho muito medo de perder. E acho que escrever um livro para crianças faz acontecer de novo o que aconteceu com a Mariangela Hungria: que um dia a vó a presenteou com um livro sobre microbiologia, uma menina-garota-mulher que tinha o sonho de alimentar o mundo. Um simples livro, um punhado de papel colorido foi o que ela carregou a vida inteira e a levou a ser a vencedora do World Food Prize”.
Se você não leu a história da Mariangela ainda, essa é a deixa para você clicar aqui, e entender do que estamos falando.
Como boas mães, achamos todas as histórias incríveis e dignas de serem devoradas. A gente espera, inclusive, que você fique eufórica como nós ficamos ao ouvir esses causos.
#MulherNoAgroSim
Mas vamos a mais indicações. Perguntei para a Gi qual história a deixou mais inspirada:
“A Natália Pagotto, porque eu já a conhecia mas eu não sabia que ela compartilhava uma visão que a gente tem mas não sabia dar nome: a gente gosta de pessoas, e isso tem no agronegócio, nas commodities, porque a gente está fazendo negócios com pessoas. Mas a agricultura… eu fiz Agronomia por causa da agricultura. Quando eu trabalhava na fazenda e ia uma RTV lá vender semente de milho, ela não ia lá só para vender. Ela ia lá para tomar café com meu vô e perguntar se as galinhas dele estavam boas. A gente se envolve com pessoas e a consequência disso é produzir alimentos para essas pessoas. A gente não conseguiria produzir alimentos sozinhos”.
Também perguntei qual a deixou mais reflexiva. Ela lançou logo três indicações: “A Iara, a Jaque e a Giulia, porque nessas entrevistas a gente falou sobre sermos atoladas de trem, porque a gente acaba tendo mais demandas do que um agrônomo numa fazenda por ser mulher. A gente tem que saber que o café está acabando no escritório e que tem que fechar o adubo da safra que vem. Aí tem dois vieses: um é a gente ter sido criada desse jeito e simplesmente aceitar que a gente tem que dar conta de tudo, e outro são as pessoas folgarem na gente porque sabem que a gente dá conta”.
O #MulherNoAgroSim, afinal, é sobre todas as mulheres. Cada uma com sua história, seu desafio, sua forma de ver e viver o agro. Até eu, uma jornalista que experiência em agro, sou uma #MulherNoAgroSim. Assim como aquela que trabalha no escritório, a que fica no balcão da revenda, a que presenciou a virada da laranja para a cana no interior de São Paulo. Todas elas são dignas desse título, mesmo que a forma como atuam não seja convencional. Até porque, sempre dizemos por aqui: se não existe um lugar que nos cabe, a gente inventa!
Tudo isso para finalizar dizendo: comente uma #MulherNoAgroSim que você gostaria de ver por aqui e que, talvez, não seja reconhecida por seu papel no setor que produz tudo o que a gente precisa para viver.